Texto inspirado nesse vídeo de Tula Pilar.
Quem é Carolina? Tula é Carolina. Carolina é Tula. Uma mulher que era das meninas da patroa. Mais ou menos como ser propriedade de alguém. Seria mais justo dizer que o trabalho de Tula era cuidar das crianças e da casa da patroa.
Certa vez, ela foi ao Clube com a família. Não a dela, nem de Carolina. Com a família da patroa. Nesse dia, Tula sentiu na pele, que sua cor de pele poderia travar a catraca. Dali não passaria. Mas Tula passou como “sendo da família”. Tula levava as crianças à piscina, mas ficava olhando da borda. E dali, da beira, se equilibrava para cuidar das crianças que não eram suas.
Tula passou por várias casas de patroa. E nas horas vagas ou não, entre um vidro limpo e uma cozinha arrumada, ela escrevia. Qualquer papel, qualquer caneta, Tula transbordava na escrita. Quantas horas será que Tula trabalhava? Mas escrever, não podia. Sua história não podia ser contada. Não ali, onde ela afinal, tinha tudo. Ela que contasse sua história na favela onde morava. Onde talvez não tivesse luz. Nem caneta, nem papel.
Certa vez, uma patroa pegou seu papel. Rasgou. Mas curiosa, leu primeiro. Quem escreveu isso aqui? Ficou admirada e surpresa. Tomada pela inveja, não suportou o encantamento e destruiu.
Tula foi barrada no clube. Como propriedade, passou de raspão. Mas foi mantida na borda e proibida na escrita. Quanta resistência! Tula sente que naquele tempo, no tempo de Carolina, ela podia encarar o preconceito de frente, pois vinha escancarado pela entrada social e ela se esgueirava pela porta dos fundos.
Hoje, mesmo fora do quartinho de despejo, sente o preconceito na carne, não reconhece logo de cara, mas está aí, camuflado, não escancara, mas machuca.
Lembra da piscina do clube? Tula não se afogou. Ficando na beira, se salvou. Mergulhou fundo pra dentro de si. E como uma pescadora que volta no fim do dia com a rede cheia de peixes, Tula voltou cheia de si. Cheia de palavras. A escrita não ficou barrada na catraca do clube.
Queria saber mais sobre Tula, e sobre Carolina. Queria sentar no sofá aveludado de sua casa e passar uma tarde inteira na sua sala de estar.
— Me convida, Tula?
Palavra por palavra, sigo me reescrevendo!
Com toda minha verdade, — Marilia Pelluzzo | filhadasmães

