Sobre Mim

Uma filha das mães que foi gerada no silêncio de uma mãe surda, que falava LIBRAS, que me entregou em adoção. Sorte a minha, fui adotada pela mãe da mãe. Fui criada na casa das mulheres fortes, mas demorei muito para reconhecer em mim essa herança.

Me chamo Marilia Pelluzzo, sou mãe de dois e filha de muitas. Tenho 54 anos Sou casada há três décadas com um parceiro de vida incrível. Meus filhos são, cada um à sua maneira, bússola e espelho: Bruna, casada desde 2019, que hoje vive nos Estados Unidos, e João, que ainda vive comigo, construindo seu plano de voo.

Tenho uma história que os outros costumam chamar de “peculiar” — talvez porque envolva camadas de maternidade, dor, adoção, silêncio, amor e descoberta. Eu não a vejo como especial: a vejo como minha. E é com ela que sigo me reescrevendo, palavra por palavra.

Me perdi várias vezes no caminho. Fiz 3 formações acadêmicas (administração, terapia ocupacional e psicologia), procurando meu lugar. Demorei para descobrir que meu lugar era dentro, o que eu buscava não estava fora. As palavras precisavam sair de um lugar desconhecido de mim: eu mesma! E nessa descoberta, veio junto o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, aos 51 anos.

Sim, sou autista. “Diagnóstico tardio”, como dizem, que veio para explicar uma vida de tentativas, quedas, incômodos e cansaço profundo. Depressão severa. Quis desistir. Lembrei das minhas mães, fui procurar no baú dos bordados a minha herança. Já viu alguém brigar por pano de prato, tesoura e agulhas de crochê? Pois foi assim.

Eu nem sabia fazer crochê, mas queria todas as agulhas pra mim. Remexendo nas costuras deixadas por elas, procurei algo que fizesse sentido pra costurar meus trapos. Encontrei. Força. Deixaram pra mim! Estava tudo ali, naquele baú, em cada arremate, em cada costura, remendo, em cada poído. Eu só precisava remexer. Colocar tudo pra fora. Comecei…

Me assumir autista faz parte desse processo. Sim sou autista, e espero que artista me arriscando na escrita. Susto, angústia, medo…mas também reconhecimento, sentido pro que nunca teve. Pertencimento. Hoje não me sinto carimbada, mas liberta. Sobre ser autista, poderia fazer um outro texto de apresentação, mas será tema trazido com acolhimento e aos poucos por aqui, da mesma forma como tenho tentado lidar com essa Tsunami que é a vida.

Então por aqui, vou registrando minhas memórias, minhas descobertas, tudo que grita, que fala baixinho ou vem em silêncio. Às vezes vou fazer apenas sinais ou vou gritar em LIBRAS. Elenita precisa ouvir. Preste atenção, porque as “entrelinhas” guardam muitos segredos.

Lembra do baú da herança? “Entre linhas”, estou me encontrando. Escrevo para lembrar, ressignificar, cicatrizar, tatuar…dando forma e sentido para o que estava perdido. Aqui, neste espaço chamado Filha das Mães, que também poderia ser “mãe da mãe”, porque também fui mãe de Elenita, compartilho fragmentos de mim que encontram sentido quando viram palavras.

Sempre fui vista como boa ouvinte. Gosto de gente. Escuto com o corpo inteiro. Então minha história está cheia de outras histórias. Quem sabe converse com a sua?

Escrever tem sido meu jeito de continuar! Palavra por palavra, sigo me reescrevendo!

Essa casa de palavras é nossa! Não precisa bater, vai entrando com sua história.

Com toda minha verdade, — Marilia Pelluzzo | filhadasmães