O segredo do bambolê azul

O bambolê é tão lindo. Tão azul. Leve. Que memória curiosa. Posso ver e sentir como se estivesse com ele nas mãos, ou mais precisamente, na cintura. Girando, ao redor da minha cintura. Sendo bem franca, tentando. Porque ele insistia em cair. Manter o bambolê girando não foi e não é tarefa fácil. Mas hoje, venho falar de uma lembrança que, de leve, não tem nada.

– Elenita é sua mãe!

Assim, na lata! Sem fundo musical. Até porque Elenita, a mãe, aquela mãe autorizada, era surda. Falava LIBRAS. Eu ainda estava aprendendo português, imagina LIBRAS!

Mãe autorizada? Sim, ela precisou de autorização para confirmar. Fui parida pela mãe biológica, que me daria em adoção. Fui adotada pela vó materna. Grande alívio permanecer na família de origem. Obrigada mães, à que me ofereceu e à que me acolheu. Nesse ir e vir fui me ajeitando, pra ser um pouco filha de uma, um pouco da outra. Uma bela “filha das mães” (rs).

Bambolê azul. Mãe. Elenita. Mãe-vó. Alcir. Mães. Simples assim. E complexo demais. O bambolê me envolvia, enquanto a mãe, aquela que pariu, não conseguia.

Essa memória insistente do bambolê azul, sempre me rondou. Ainda ronda. Tanto que ele apareceu aqui. Nunca sonhei com isso. Mas sempre esteve comigo. Tão presente quanto presença de mãe.

Até que um dia, numa aula sobre ‘memória encobridora’, um estalo! O que estaria por trás do bambolê azul?

“Freud descreveu a ‘memória encobridora’ em 1899, e explicou que o resultado do conflito é a produção de uma lembrança que se desloca da primeira. Como os elementos importantes da experiência foram rejeitados, a lembrança substituta é trivial e incompreensível.”

Assim que cheguei em casa, telefonei para minha irmã. Irmã-tia! Ninha, você se lembra do bambolê azul que eu tive quando criança? Lembro. Lembra de algum fato marcante dessa época? Lembro. Foi por essa época, com você ainda bem criança, que contei quem era sua mãe verdadeira. Mãe verdadeira??? Existem mães falsas?

Ninha me conta uma cena. Cena da memória dela, que passaria a ser minha. Eu estava aconchegada no colo de Elenita. Fazendo sinal de indagação, Elenita pergunta se podia confirmar que era minha mãe verdadeira. Ela, que ao parir, não me quis, mas que agora, agora ela queria. Agora poderia me adotar. Ninha fez sinal que sim.

Será que agora minha mãe-vó passaria a ser uma mãe falsa? Jamais! De jeito nenhum. Não suporto a ideia de perdê-la. Ela que me acolheu quando eu mais precisei, nunca deixaria de ser mãe verdadeira. Mães verdadeiras adotam, acolhem, doam seu amor mais profundo. E agora minha mãe-vó, mãe também de Elenita, faria seu gesto mais maternal e amoroso. Seria mãe verdadeira das duas. Iria compartilhar com Elenita, o seu maternar.

Agora eu seria das duas. Teria duas mães verdadeiras!

E a você, Bambolê Azul! Serei eternamente grata! Por guardar esse segredo e revelar quando era pra ser.

Palavra por palavra, sigo me reescrevendo.
— Marilia Pelluzzo | filhadasmães